
Desenvolver estratégias integradas de enfrentamento à febre oropouche baseadas em técnicas de manejo de culturas e controle do vetor, vigilância epidemiológica, vigilância genômica, intervenção direta sobre os cuidados do paciente e identificação de biomarcadores para facilitar o diagnóstico; futuramente, trabalhar para o desenvolvimento de uma vacina. Esses são os objetivos do projeto Enfrentamento da febre do oropouche no Espírito Santo, apresentado em evento realizado na tarde desta segunda-feira, 26, no auditório do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Ufes, em Maruípe, Vitória.
A cerimônia de formalização da parceria entre a Ufes e o Governo do Estado para proteger a população capixaba da febre de oropouche reuniu o reitor Eustáquio de Castro, o secretário de estado da Saúde, Tyago Hoffmann; o secretário de estado de Agricultura, Enio Bergoli; o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), Rodrigo Varejão; o coordenador geral do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado do Espírito Santo (Lacen/ES), Rodrigo Rodrigues; o membro da equipe do projeto no Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), José Aires; o diretor do CCS, Helder Mauad; e o coordenador do projeto na Ufes, professor Daniel Gomes, que também está à frente do Núcleo de Doenças Infecciosas (NDI) da Universidade.
Segundo Gomes, a febre do oropouche é a principal arbovirose presente no Estado hoje, com 60% do total de casos nacionais em terras capixabas. O levantamento é de dezembro de 2024 até o dia 13 de maio último. Nesse período, foram 6.693 casos positivos de febre oropouche, sendo que 120 foram de transmissão vertical, de gestantes para fetos. “Tivemos confirmados dois óbitos, mas em análise há cerca de oito mortes. Então, isso mostra que é uma doença bastante importante, com desdobramentos inclusive ligados à saúde pública”, afirmou.
Vacina
O projeto, segundo o professor, tem dois grandes focos de pesquisas: um deles, supervisionado diretamente pelo Incaper, está associado à questão do manejo de culturas e o controle do vetor. O segundo envolve a Ufes em colaboração com o Lacen, que é ligado à saúde. “Nós [da Ufes e Lacen] vamos pensar diferentes estratégias, uma abordagem ligada à vigilância epidemiológica, outra à vigilância genômica, principalmente nas questões de mutações, e outra que são os desdobramentos clínicos com estudos da imunopatogênese e com as práticas clínicas mais voltadas para intervenção junto ao paciente. Por fim, [vamos trabalhar] a identificação de biomarcadores, principalmente voltados para desenvolvimento tecnológico de métodos de diagnóstico e, quem sabe, até uma vacina que poderia ser utilizada contra a arbovirose”, afirmou.
O professor explicou que, atualmente, o diagnóstico da doença é feito por método molecular, na qual a amostra precisa chegar no Laboratório Central para poder ser processada. “A ideia é montar testes rápidos, kits, que podem ser usados pelas prefeituras para fazer o discernimento de diferentes arboviroses: dengue, zika, oropouche. Isso daria maior celeridade no tratamento. E mais para frente, a gente está trabalhando com a possibilidade do desenvolvimento de uma vacina. Não neste prazo de três anos, que é o prazo do projeto. Uma vacina demanda muito mais tempo para ser testada, mas a gente tem essa visão de continuidade do projeto para o desenvolvimento de uma vacina futura”.
Sobre os recursos, o professor informou que já foram repassados cerca de R$ 3,8 milhões à Ufes e existem parcelas a serem liberadas à medida que as entregas do projeto forem feitas. Os aportes financeiros da Fapes para a Ufes e o Incaper somam R$ 6 milhões. A expectativa é que as pesquisas tragam benefícios sociais para as populações vulneráveis, que estão próximas às áreas de transmissão, para profissionais de saúde e também benefícios econômicos para o setor produtivo.
Parcerias
O reitor Eustáquio de Castro ressaltou a parceria com o governo do Estado, lembrando que a iniciativa “está em acordo com uma das linhas da nossa gestão na Ufes, que é a promoção da saúde”. O reitor afirmou que os projetos de saúde estão cada vez mais “ganhando robustez” e falou da ideia de trazer um centro de pesquisa para dentro da Universidade: “Isso nós estamos já tratando; está mais ou menos estabelecido quais serão os laboratórios que vão ocupar esse centro”.
O reitor também falou das ações integradas, “de longa data”, na área da agricultura e destacou que “a nossa estratégia é trabalhar alinhado com aquilo que o Espírito Santo demanda na área da agricultura”. Ele lembrou de outras iniciativas desenvolvidas em conjunto com o Estado, como na área de ciências oceânicas, na qual já foi feito aporte de recursos, e falou dos projetos para a Amazônia Azul Capixaba, “um projeto que já está nas mãos do governador”.
O secretário da Agricultura, Enio Bergoli, elogiou a parceria entre o governo do Estado e a Ufes, e lembrou a atuação do Incaper, órgão que vai fazer 70 anos. “A gente tem competência técnica, gera conhecimento e os produtores e produtoras rurais se apropriam desse conhecimento. Assim, a gente consegue ser competitivo no Brasil e fora do país”, disse. Ele aposta na identificação de mecanismos naturais capazes de reduzir a população de insetos que transmitem o vírus da oropouche. “Assim como [o grupo da] saúde, em breve, nós vamos estar disponibilizando muitos resultados parciais que já vão ajudar no controle desse problema”.

O secretário da Saúde, Tyago Hoffmann, contou que, quando chegou à pasta, em janeiro, se deparou com um “batalhão" de pessoas da Agricultura, da Universidade, e da Saúde, para uma reunião sobre oropouche. “Rapidamente, eu e o secretário da Agricultura acertamos com o governador o financiamento para essa importante pesquisa”, comentou, referindo-se aos R$ 6 milhões que estão sendo disponibilizados pelo Estado, por meio da Fapes, para o projeto.
“A Fapes é o nosso braço de pesquisa; é um instrumento para que possamos fazer esse tipo de trabalho”, afirmou o secretário, destacando que a gestão aposta “sempre na ciência”. Ele lembrou que, durante a pandemia da covid-19, “criamos um grupo de trabalho com pessoas do nosso Instituto Jones [dos Santos Neves] e da Ufes, e desenvolvemos as melhores projeções para avaliar a evolução da doença e, consequentemente, a necessidade de leitos hospitalares, de enfermaria e UTI. Nenhum capixaba, nenhum capixaba morreu aqui no Estado do Espírito Santo sem conseguir acessar um leito hospitalar”, registrou.
O representante do Incaper no evento, José Aires, destacou que o órgão já busca estratégias no meio rural para evitar a doença. “Nós estamos formando uma equipe multidisciplinar para atuar no campo, junto ao agricultor”, lembrando que a mosca transmissora (conhecido como mosquito maruim) está sobretudo em áreas rurais associadas a algumas culturas, como é o caso da bananeira. Assim, afirmou, o Incaper vai trabalhar para desenvolver estratégias de manejo do inseto vetor e das plantações.
Daniel Gomes também lembrou as parcerias com as secretarias municipais de saúde: “Já estamos tendo uma interação grande com as secretarias no que diz respeito aos pacientes, busca de amostras. Então, esse panorama mostra como o projeto integra o Governo do Estado, a Universidade Federal do Espírito Santo e os governos municipais em prol da resolução de um grande problema ligado ao Espírito Santo”.
Polo de produção de conhecimento
Na avaliação do professor da Ufes e coordenador do Lacen, Rodrigo Rodrigues, um marco importante desse projeto “é o Espírito Santo estar capacitado para enfrentar outros desafios que virão”. O segundo destaque é que o Espírito Santo se consolida como um polo de produção de conhecimento em níveis nacional e mundial. “Nós estamos olhando a doença como um todo, indo do vetor à ponta, que seria a evolução final dessa doença, e, possivelmente, com desenvolvimento de protocolos não só de diagnóstico e prevenção, mas também de tratamento. Então, é um projeto extremamente arrojado”.
O diretor do CCS, Helder Mauad, ressaltou que esse projeto, além de importante contribuições para o enfrentamento da oropouche, também tem um viés acadêmico de valor. “Nós temos aqui nessa plateia vários pós-graduandos, e essa forma [integrada] de enfrentamento à doença serve como um exemplo dentro de uma área tão importante, que são a saúde coletiva e as doenças infecciosas”.
Desde o início do projeto, no ano passado, os pesquisadores da Ufes já têm cinco artigos aceitos em revistas internacionais, e três deles já publicados.
O presidente da Fapes, Rodrigo Varejão, afirmou que, desde o ano passado, a ação da Fundação está focada na área de saúde. “Graças à iniciativa de vocês, a gente está conseguindo fazer esse enfrentamento que envolve uma rica articulação de instituições aqui presentes”. Ele reforçou a competência de pesquisadores, estudantes de mestrado, doutorado e da graduação com condição de fazer o enfrentamento do oropouche. “Essas iniciativas [da Fapes] que estão sendo executadas é para que vocês sejam os protagonistas para enfrentar os grandes desafios do nosso Estado”. Varejão anunciou para o mês de junho “o maior edital de pesquisa da Fapes”, na ordem de R$ 28 milhões. “Todas as áreas de conhecimento serão contempladas, inclusive a saúde”, afirmou.
Fotos: Sueli de Freitas