
Pesquisadores da Ufes estão participando de um dos maiores projetos da astronomia mundial: o Observatório Vera Rubin, localizado no deserto do Atacama, no Chile, que utiliza o Grande Telescópio de Rastreamento Sinóptico (Large Synoptic Survey Telescope - LSST), considerado o maior telescópio fotográfico do mundo na atualidade. Com imagens de altíssima resolução captadas em intervalos regulares, o LSST promete transformar a compreensão do universo, possibilitando o mapeamento completo do céu do Hemisfério Sul e a investigação de questões fundamentais sobre matéria escura e outros fenômenos astronômicos.
A principal participação da Ufes no LSST envolve professores e pesquisadores de mestrado e doutorado vinculados ao Núcleo de Astrofísica e Cosmologia (Cosmo/Ufes), que desenvolvem seus estudos nos programas de pós-graduação em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação (PPGCosmo) e em Física (PPGFis); e no Laboratório Multiusuário de Computação Científica (Sci-Com). Desde 2019, a equipe do Cosmo/Ufes vem atuando no projeto por meio de estudos que usam métodos estatísticos para analisar explosões estelares (chamadas supernovas), aplicação de inteligência artificial para estimar a distância entre objetos no espaço, e identificação de sinais visíveis (como luz) que acompanham fenômenos cósmicos extremos (como colisões entre buracos negros ou estrelas de nêutrons).
No fim de junho, o Observatório Vera Rubin divulgou suas primeiras imagens, revelando milhões de galáxias e estrelas da Via Láctea, além de milhares de asteroides. Para o coordenador do PPGCosmo/Ufes, Valério Marra, o LSST é um dos maiores projetos de astronomia da atualidade. “Sua importância é máxima, tanto para o avanço científico global quanto para a formação de recursos humanos altamente qualificados no Brasil e na Ufes”, avalia Marra, que, em 2019, ganhou destaque ao se tornar um dos principais investigadores do LSST Brazilian Participation Group (Grupo Brasileiro de Participação no LSST).
Potencial
Segundo o pesquisador do Laboratório de Telecomunicações (LabTel/Ufes) Moisés Ribeiro, os dados divulgados pelo Observatório podem revelar fenômenos cósmicos em uma escala sem precedentes, destacando o potencial do telescópio para transformar a astronomia moderna. “Além disso, os requisitos de qualidade para transporte dos imensos volumes de dados gerados pelo Vera Rubin por longas distâncias podem também exigir uma transformação na engenharia das redes de computadores que conhecemos hoje”, ressalta.

Na avaliação de Ribeiro, o LSST é um projeto complexo que apresenta desafios a serem superados, como a transmissão de imagens desde a origem (no Chile) até o ponto de armazenamento e processamento (na costa oeste norte-americana). Nesse sentido, além das análises ligadas às áreas da Física, como Astrofísica e Cosmologia, o projeto também conta com a contribuição de pesquisadores de outras áreas, como Informática e Engenharia Elétrica, que se dedicam a estudar formas eficientes de transmitir os dados científicos gerados.
De acordo com o pesquisador, todas as atividades que lidam com alta capacidade de transmissão de dados envolvem comunicações de sinais luminosos sobre fibras ópticas (fotônica) e fazem parte de iniciativas ligadas a um “seleto” grupo de universidades brasileiras (entre elas, a Ufes), que integram o Sistema Nacional de Laboratórios de Fotônica (Sisfóton) e o programa e-Ciência, ambos financiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Para ele, estas ações são reforçadas pela recente aprovação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Fotônica da Ufes.
Inserção internacional
“Os experimentos são realizados utilizando infraestruturas físicas de transmissão e roteamento de alta capacidade chamadas ‘testebeds’, que são compartilhadas pela Rede Nacional de Educação e Pesquisa (RNP) e outras instituições que atuam de forma integrada. Nesta rede colaborativa, os pesquisadores buscam viabilizar soluções para lidar com os requisitos extremos do transporte de dados científicos, como é o caso do telescópio LSST”, diz Ribeiro.

Esta rede de alta capacidade que serve ao Observatório Vera Rubin já tem disponível um sistema inovador chamado PolKA (Polynomial Key-based Architecture for Source Routing in Network Fabrics), que foi integralmente concebido e desenvolvido pela Ufes para o roteamento de pacotes de dados. O PolKA está atualmente em fase de testes para assegurar a rapidez e a confiabilidade necessárias à operação de redes de comunicação de alto desempenho, como a que serve à aplicação do LSST. “A tecnologia do PolKA possui características únicas, que não existem nos protocolos instalados em equipamentos comerciais de redes, e está sendo generosamente disponibilizada pela Ufes neste esforço coletivo para o progresso das redes acadêmicas, ainda no espírito pioneiro da criação da internet, que puxam as redes comerciais posteriormente”, explica Ribeiro.
A inovação foi desenvolvida pela professora do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) Cristina Dominicini durante seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Informática (PPGI/Ufes) e teve o professor Magnos Martinello como orientador. Para ele, o sistema é mais uma demonstração da inserção da Ufes no cenário internacional em uma área tão importante como a das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs): “Não nos inserimos apenas em produção bibliográfica e formação de recursos humanos, mas também em soluções que impactam diretamente a sociedade em iniciativas na fronteira do conhecimento das TICs”.
Prêmios
O PolKA foi o único projeto da América Latina a receber o prêmio Google Research Scholar, em 2021. No ano seguinte, a tecnologia também foi agraciada pela empresa de tecnologia Intel, que destinou à Ufes recursos tecnológicos avançados, capazes de transmitir enormes quantidades de dados em velocidades de até 6,2 terabits por segundo (o equivalente a milhares de filmes por segundo), usando conexões de 100 gigabits por segundo.
“Esses equipamentos fazem parte da estrutura do Laboratório do Núcleo de Redes Definidas por Software (LabNerds/Ufes), um dos poucos no Brasil a participar de testes internacionais com tecnologia de ponta em redes de computadores programáveis”, revela o professor Magnos Martinello. Tanto o desenvolvimento do PolKA quanto a criação do LabNerds contaram com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes).
A colaboração da Ufes na análise de dados do telescópio fotográfico será feita por meio do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Linea), do qual participam várias instituições brasileiras. Na área de redes de computadores, a atuação é realizada em conjunto com a RNP, Americas Ligthpaths (Amlight) e o grupo de trabalho da Data Intensive Sciences (Ciências Intensivas em Dados), do Global Network Advancement Group (GNA-G). “Nas duas frentes, contamos com a participação de pesquisadores de diversos campi do Ifes, contribuindo com a descentralização e com a interiorização da pesquisa de ponta no Espírito Santo”, finaliza Ribeiro.
Fotos: Amlight