Estudo busca recontar a história da biodiversidade a partir da análise de DNA de insetos

22/06/2021 - 10:31  •  Atualizado 23/06/2021 19:49
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Um artigo publicado por pesquisadores da Ufes busca compreender a história evolutiva de insetos da ordem Ephemeroptera, popularmente conhecidos como efêmeras (na foto, na fase de subadulto), e sua relação com a formação geológica do continente sul-americano e a biodiversidade. O estudo, publicado no Journal of Zoological Systematics and Evolutionary Research, aponta a formação de diferentes gêneros a partir da separação do supercontinente que havia no hemisfério sul do planeta Terra.

Para a análise, coordenada por pesquisadores da Ufes em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Universidade de La Trobe (Austrália), foi feito o sequenciamento genético de 76 indivíduos de 14 espécies pertencentes à família Leptophlebiidae, subfamília Atalophlebiinae. O material foi coletado na Mata Atlântica brasileira, na Venezuela e na Austrália e pertence à Coleção Zoológica Norte Capixaba e ao Museu de Entomologia da UFV.

Esses sequenciamentos foram comparados com informações de 59 sequências genéticas de efêmeras disponíveis no GenBank, um banco público de dados e sequenciamentos genéticos, mantido pelo National Center for Biotechnology Information (NCBIem português, Centro Nacional de Informação Biotecnológica), dos Estados Unidos.

Comparando as sequências de DNA, o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal (PPGBAN) da Ufes Felipe Gatti agrupou os gêneros mais próximos e, em seguida, calibrou essas relações no tempo geológico usando informações de fósseis, como sua posição na árvore da vida e sua data. “Nosso objetivo é entender como esse grupo de insetos, um dos mais antigos do mundo, evoluiu e se distribuiu pelo planeta, conforme os eventos geológicos que ocorreram há milhões de anos”, explica. 

Dentre os fósseis utilizados no estudo, está o da nova espécie de efêmera descrita por Arianny Storari, também doutoranda no PPGBAN-Ufes (saiba mais). A rocha onde o fóssil foi encontrado é datada do Cretáceo Inferior, entre 113 e 125 milhões de anos atrás, quando o antigo supercontinente Gondwana do Oeste estava começando a se separar, dando origem aos atuais continentes da África e da América do Sul e à formação do Oceano Atlântico. 

A pesquisa é orientada pelo professor Yuri Leite, que se dedica a estudar a diversidade biológica da América do Sul. “A América do Sul possui uma das maiores biodiversidades do planeta e nosso estudo busca compreender por que temos tantas espécies. Por meio do DNA, buscamos reconstituir a história da biodiversidade”, detalha Leite. Isso é consequência do fato de que América do Sul foi uma grande ilha (separada de Gondwana) por cerca de 30 milhões de anos e se conectou com a América Central, pelo Istmo do Panamá, há aproximadamente 3 milhões de anos, havendo intercâmbio de biodiversidade entre os dois continentes. Além da grande diversidade, o continente sul-americano conta com muitos endemismos, ou seja, casos de plantas e animais que só ocorrem nessa região.

Biodiversidade e formação dos continentes

O estudo analisou o impacto que a separação de Gondwana teve na origem e diversificação das efêmeras. Após agrupar as espécies, foi feita a calibragem de datas de divergência para verificar suas histórias evolutivas, cruzando as informações dos fósseis com dados de eventos geológicos, probabilidades de dispersão e pesquisas anteriores sobre o tema.

A separação de Gondwana ocorreu na época dos dinossauros, em duas fases. Na primeira etapa, há 180 milhões de anos (no período geológico conhecido como Jurássico), houve uma separação, e a América do Sul e a África ficaram de um lado e, do outro, Madagascar, Índia, Antártida, Austrália e Nova Zelândia, mantendo uma conexão por terra entre a América do Sul e a Antártida, que nesse período ainda não estava congelada.  A segunda fase da separação começou há 135 milhões de anos (no Cretáceo) e resultou na separação de Madagascar e Índia da Antártida, Austrália e Nova Zelândia. 

O estudo concluiu que, nessa fase de separação, uma espécie ancestral de efêmera foi dividida em dois grupos: um ficou em Gondwana e deu origem à subfamília Atalophlebiinae e o outro grupo seguiu sua história evolutiva independente, na massa de terra formada por Madagascar e Índia.

“Após a completa separação da Gondwana e o congelamento da Antártida, há aproximadamente 35 milhões de anos, as espécies que se originaram a partir desse ancestral ficaram isoladas em regiões de clima temperado e montanhosas da América do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Esse fenômeno é denominado distribuição geográfica disjunta, ou seja, a subfamília é encontrada em massas de terra isoladas umas das outras”, detalha Gatti. 

Efêmera duradoura 

Os insetos da ordem Ephemeroptera têm como característica uma vida efêmera: suas formas imaturas, conhecidas como ninfas, desenvolvem-se nos rios, córregos e lagos e, quando se tornam adultos alados, vivem apenas alguns dias ou horas, por isso são conhecidos como efêmeras. “Mas apesar de terem uma vida efêmera, sua história, escrita no DNA há milhões de anos, continua sendo passada de geração em geração, se misturando com a própria história do nosso planeta e podendo ser lida e interpretada pela ciência nos dias de hoje”, completa Gatti.

A pesquisa conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


Texto: Lidia Neves
Imagem: Frederico Salles