Entrevista: Carlos Nobre afirma que mudanças climáticas são o maior desafio da humanidade

18/11/2022 - 16:42  •  Atualizado 21/11/2022 18:30
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O combate ao desmatamento e à degradação do planeta está nas mãos das novas gerações de universitários, segundo o professor e climatologista Carlos Nobre. Um dos fundadores do Instituto de Estudos Climáticos da Ufes (IEC-ES) e vencedor do Nobel da Paz, Nobre profere a palestra de abertura da Semana do Conhecimento 2022, nesta segunda-feira, 21, às 9 horas, no Cine Metrópolis. Na ocasião, o professor descreverá os motivos que levaram às alterações climáticas no mundo, além de propor soluções para a reversão desse cenário.

Evento tradicional no calendário da Ufes, a Semana do Conhecimento acontece em datas diferentes em cada campus: de 21 a 26 de novembro nos campi de Goiabeiras e de Maruípe; nos dias 22 e 29 de novembro em Alegre; e de 29 de novembro a 1º de dezembro em São Mateus. Segundo a organização, já são mais de 11 mil estudantes inscritos de 200 escolas, somente para a Mostra de Profissões, uma das atrações da Semana, que divide espaço com diversas outras atividades dedicadas a apresentar o trabalho da Universidade nas áreas de ensino, pesquisa e extensão.

Em conversa com o portal da Ufes, direto da COP27 (Conferência das Partes, reunião de países membros da ONU sobre alterações climáticas), realizada no Egito, Nobre disse que as mudanças climáticas são "o maior desafio da história da humanidade". Confira a entrevista completa abaixo:

Primeiro, gostaria que o senhor falasse um pouco da sua relação com a Ufes, sobretudo da elaboração do Instituto de Estudos Climáticos (IEC-ES). O que moveu o senhor a criá-lo? 
Foi uma iniciativa da Engenharia Ambiental da Ufes, em 2018, em parceria com o Instituto Tecnológico Vale e a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes). Era 2018, eu já estava aposentado da minha função no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e tomei como desafio contribuir com a Ufes para criar esse instituto. Logicamente, o Espírito Santo pode sofrer o impacto das mudanças climáticas, seja na zona costeira, com o aumento do nível do mar e das ressacas, seja nas áreas urbanas e nas áreas rurais, com elevação da temperatura. O estado pode contribuir para mitigar as mudanças climáticas ao reduzir as emissões de gases de efeito estufa e expandir programas de restauração florestal. No Norte do Espírito Santo há uma região da Mata Atlântica que, junto com o sul da Bahia, é o lugar com maior biodiversidade da Mata Atlântica e uma das maiores do mundo. Então, era muito importante ter um instituto de estudos climáticos na Universidade para avançar no conhecimento dessa área e buscar soluções para reduzir as emissões, restaurar a Mata Atlântica e tornar a população do estado mais resiliente às mudanças climáticas, especialmente as populações que vivem em zonas costeiras, como em Vitória. O curso foi criado em 2018 e já em 2019 começou a oferecer pós-graduação em mudanças climáticas. Esse curso continua muito ativo – conseguimos envolver vários professores da Ufes, principalmente da Engenharia Ambiental, e atrair pós-doutores que contribuíram com o avanço desse instituto. Esse é o ponto central. Muitos professores se associaram ao Instituto e ele já está publicando artigos científicos sobre as mudanças climáticas no Espírito Santo e no mundo.

Em relação ao momento climático do mundo, o que é importante dizer aos jovens que serão futuros universitários?
Estamos vivendo o maior desafio da história da humanidade. Não há nada parecido nos dez ou onze mil últimos anos. Essa época geológica teve uma grande estabilidade climática, que foi uma condição importante para o desenvolvimento da agricultura. Nunca tivemos uma ameaça climática no nível da que temos agora. Precisamos evitar um colapso climático que pode afetar a vida de bilhões de pessoas e da biodiversidade do Planeta Terra. Temos que seguir as rigorosas metas do acordo de Paris: reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030 e zerá-las antes de 2050. Até 2022, as emissões continuaram aumentando. Este ano será o ano com maiores emissões de gases de efeito estufa. Temos sinalizações não muito ambiciosas dos países, que podem até mostrar a redução do nível de aumento das emissões, mas, se continuarmos nessa trajetória, é possível que até 2030 as emissões ainda estejam crescendo. É essencial dizer aos jovens universitários que é nesta geração, na geração deles, que estão todos os desafios de mudar o sistema produtivo, de geração de energia e de geração de alimentos. E temos que remover muito gás carbônico da atmosfera. Uma das maneiras mais óbvias de fazer isso é com a restauração florestal. O Brasil é um dos países com maior potencial de restauração florestal, partindo para praticar uma agricultura produtiva e sustentável – a chamada agricultura regenerativa. Isso liberaria uma quantidade imensa de áreas no Brasil, talvez mais de um milhão de quilômetros quadrados, que poderiam ser biomas brasileiros restaurados – Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Cerrado, Pampas, Pantanal. O Brasil poderia contribuir para retirar centenas de milhões de toneladas de gás carbônico e ser um dos primeiros países a atingir as emissões líquidas zero.

O senhor já publicou estudos amplamente divulgados acerca do "ponto de não-retorno" em que a Amazônia pode chegar, no que diz respeito ao desmatamento. Hoje, qual a real situação da Amazônia? Quando seria, numa estimativa em anos, esse ponto de não-retorno? O que deve ser feito, em linhas gerais, para que isso não aconteça?
De fato, publiquei o primeiro estudo em 1990 e o segundo em 1991, em que apontava que se continuássemos o desmatamento, a Amazônia passaria desse ponto de não-retorno, quando todo o sul da Amazônia se tornaria um ecossistema muito degradado, parecendo uma savana tropical, mas sem a riqueza de biodiversidade do Cerrado e sem a capacidade de absorção de carbono que o Cerrado tem. Aquilo era uma projeção, mas hoje inúmeros estudos indicam que o sul da Amazônia inteiro, desde o Oceano Atlântico até a Amazônia boliviana, está muito próximo do ponto de não-retorno. São mais de dois milhões de quilômetros quadrados. Todos os elementos indicam que estamos perto de tornar aquela região um ecossistema muito degradado. Um aspecto é o aquecimento global, que está aumentando e induzindo secas mais frequentes, como aconteceram na Amazônia em 2005, 2010, 2015, 2016 e 2020. Três dessas secas tiveram muita relação com o aquecimento do Oceano Atlântico ao Norte do Equador. E outro aspecto é o desmatamento e a degradação da floresta. Quando se desmata uma área imensa – e a Amazônia brasileira é a que tem o maior índice de desmatamento (toda aquela região já atingiu mais de 35% de desmatamento e mais uns 15% de degradação) –, a substituição por pastagem faz a floresta perder a capacidade de reciclar água. Essa combinação faz com que a estação seca fique mais longa. A seca já está de 4 a 5 semanas mais longa, além dos 3 a 4 meses que durava, ficando próxima da estação seca do Cerrado, que é de 6 meses. Estamos vendo um enorme aumento da mortalidade das árvores e um aquecimento de 2 a 3 graus de temperatura na floresta. Vários estudos indicam que no Norte do Mato Grosso e Sul do Pará, a floresta já passou a ser uma fonte de carbono. As florestas, globalmente, retiram até um terço do carbono que jogamos na atmosfera. A Amazônia já retirou cerca de 2 bilhões de toneladas, mas essa região da floresta se tornou uma fonte de carbono. Se continuarmos com esse nível de desmatamento dos últimos anos, talvez em 10 ou 20 anos cruzaremos esse ponto de não-retorno. E aí, a degradação da floresta se torna uma autodegradação: ela vai se degradando, e essa degradação não ficará só no Sul da Amazônia. No mínimo 50%, até 70% da floresta, vai se degradar e perder mais de 250 bilhões de toneladas de gás carbônico, tornando impossível atingir as metas do Acordo de Paris. Temos que criar um grande projeto de restauração florestal, restaurando mais de meio milhão de quilômetros quadrados para dar uma oportunidade de a Amazônia renascer, voltar a reciclar água, diminuir a temperatura máxima e, quem sabe, conseguiremos salvar a floresta.

Muitos especialistas apontam que o Brasil regrediu nos últimos anos na política ambiental. O senhor tem esperança de que o país reduza a degradação nos próximos anos ou isso ainda parece uma utopia?
Sem dúvida o Brasil regrediu muito, principalmente nos últimos 4 anos com um governo federal totalmente anticiência e antiambiental, que desacreditava que o planeta estivesse sofrendo por mudanças climáticas. Com isso, os desmatamentos e as emissões aumentaram. O relatório de emissões do Observatório do Clima para 2021 mostraram aumento de 12% em relação às emissões de 2020, que foi um ano de pandemia, quando as emissões do planeta inteiro diminuíram de 5 a 7%. E no Brasil elas cresceram. Quase 50% das emissões são associadas ao desmatamento, sendo 80% da Floresta Amazônica. Essa política tem que ser combatida com muita eficácia e de forma urgente. O presidente eleito disse, aqui na COP27, que o Brasil vai retomar seu protagonismo no combate à emergência climática. De fato, nos governos do Lula e da Dilma tivemos uma redução das emissões. Em 2012, tivemos o menor índice de desmatamento da Amazônia desde 1970. Lógico, é um enorme desafio, mas julgo que é possível, sim. Por exemplo, mais de 90% dos desmatamentos da Amazônica são ilegais, mais de 80% no Cerrado são ilegais, controlados pelo crime organizado. Então, há que se combater a ilegalidade. Hoje é muito mais difícil, comparado a dez anos atrás, porque o crime organizado controla ainda mais as atividades na Amazônia, com grilagem de terra, roubo de madeira, mineração ilegal, trafico de animais. Mas julgo que podemos ter algum otimismo, sim, que podemos contribuir muito. Como consumidores de produtos que vêm da Amazônia, é nossa responsabilidade tornar esse consumo responsável e sustentável. Se os brasileiros exigissem a rastreabilidade da carne que compram, já diminuiria imensamente o desmatamento.

Para encerrar, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua percepção da COP27. O que vem sendo dito e proposto com relação ao Brasil e à Amazônia? 
A COP27, como a grande maioria das COPs, tem avanços passo a passo. As COPs que tiveram avanços disruptivos foram a 21, em Paris, em 2015, quando os países assumiram compromissos voluntários de reduzir as emissões, e a COP26, no ano passado, em Glasgow, quando houve acordo para reduzir em 50% as emissões até 2030 e zerá-las até 2050. Essas metas continuam, e espero algum avanço no compromisso dos países ricos com os fundos necessários para que os países em desenvolvimento rapidamente atinjam essas metas. O Fundo Verde do Clima, no qual os países concordaram que até 2020 haveria 100 bilhões de dólares, chegou só até 80. Mas, na verdade, é necessário um valor muito maior, centenas de bilhões de dólares – há estimativas de 700 bilhões de dólares. Isso teria que rapidamente fluir para os países em desenvolvimento, para que eles migrassem seus sistemas para uma redução de emissões, por exemplo, geração de energia renovável, migração para uma agricultura regenerativa. E zerar o desmatamento em países tropicais, onde ele é muito alto. Espera-se que os países ricos entendam que são necessários centenas de bilhões de dólares por ano para não só reduzir as emissões nos países em desenvolvimento, mas principalmente tornar as populações vulneráveis mais resilientes às mudanças climáticas. Mais de um bilhão de pessoas na África sofrem com os extremos climáticos, e a África só contribuiu com 4% das emissões globais. O Brasil contribuiu com quase isso – é o quarto maior emissor historicamente do planeta. Então, é importante que pelo menos metade desse fundo vá para tornar essas sociedades menos vulneráveis. É preciso compensar essas populações pelos danos sofridos, já que elas não contribuíram quase em nada com a emissão de gases de efeito estufa.

 

Texto: Leandro Reis
Foto: Divulgação