Dos 16 aos 74 anos: seis gerações de estudantes circulam pelos corredores da Ufes

17/03/2023 - 16:01  •  Atualizado 27/03/2023 10:25
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Com o início de mais um semestre letivo, começa também uma nova etapa na vida de milhares de futuros profissionais. Enquanto para alguns trata-se do prosseguimento de um caminho natural, para outros é um recomeço após anos afastados da vida estudantil. Este é o caso de 1.539 estudantes de graduação da Ufes com mais de 40 anos de idade, pouco mais de 8% do total dos matriculados em cursos de graduação na Universidade.

Até o segundo semestre de 2022 (finalizado em fevereiro de 2023), a Ufes contabilizava 18.179 estudantes matriculados nos cursos de graduação presencial e 660 nos cursos oferecidos à distância. Destes 18.839 alunos, 611 homens e 811 mulheres têm mais de 40 anos e 46 homens e 57 mulheres passam dos 60 anos de idade.

Hudson Ferreira está entre esses 46 homens. Aos 74 anos e aluno de Ciência da Computação, ele apresenta a maior idade dentre todos os estudantes de graduação com matrícula ativa nos quatro campi da Ufes. No extremo oposto, Isabella Oliveira e João Paulo Salamon são os dois estudantes mais novos a ingressar na graduação da Ufes neste semestre. Com 16 anos, ambos estão iniciando os estudos em Jornalismo e Engenharia da Computação, respectivamente. E a estudante de Fonoaudiologia Shirley Sabino, de 43 anos, representa a parcela da população que, por questões pessoais, precisa adiar o sonho da graduação até a meia idade.

Além dos números de estudantes na graduação, a Ufes conta atualmente com 2.301 alunos matriculados no mestrado, 1.325 no doutorado e 176 realizando residência médica.

Não é uma escolha

A professora do Departamento de Serviço Social Cenira Oliveira (foto) explica que, em geral, pessoas que iniciam a graduação mais tarde não o fazem por opção. Para ela, na maioria dos casos, os estudos são interrompidos devido a questões relacionadas à saúde, à necessidade de ingresso precoce no mercado de trabalho e à sobrevivência, própria ou de outros. “A história de vida e a classe social determinam essas escolhas que, na verdade, não são escolhas. São determinações da condição de vida dos sujeitos”, avalia ela, que é uma das coordenadoras da Universidade Aberta à Pessoa Idosa (Unapi), programa de extensão da Ufes que promove a educação continuada para pessoas a partir dos 60 anos.

Segundo Oliveira, casos como o de Shirley Sabino, que adiou o sonho da formação universitária para colocá-lo em prática quando as condições da vida estivessem mais favoráveis, são habituais: “Isso acontece muitas vezes depois de aposentar, criar filhos, juntar algum dinheiro, conseguir um trabalho e assim por diante”.

Etarismo

De acordo com a professora, ainda é comum haver preconceito com pessoas idosas no Brasil, o que é conhecido como etarismo ou idadismo. “As instituições de ensino geralmente acolhem esses sujeitos, mas o mesmo nem sempre ocorre com a comunidade universitária. O preconceito existe e é muito forte e perverso”, sentencia ela.

Na Unapi, os estudantes têm uma disciplina chamada Velhice e Sociedade que, dentre outras questões, aborda o etarismo. “Trabalhamos, com frequência, o apoio e a inclusão dos idosos como parte integrante da sociedade”, ressalta a coordenadora.

Sede de saber

Cursando Ciência da Computação no campus de São Mateus, Hudson Ferreira (foto) ingressou no curso no segundo semestre de 2021. Advogado aposentado, ele nunca parou de estudar: além do Direito, cursou Engenharia Civil, Economia, algumas pós-graduações e, no momento, está finalizando um curso para se credenciar junto à Associação Nacional dos Corretores de Valores (Ancord) e obter registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Eu tenho avidez por aprender”, diz ele, que escolheu estudar Ciência da Computação justamente para buscar entender como se dão os processos internos na máquina.

Cursando pela primeira vez uma graduação na Ufes, Ferreira lembra das dificuldades que enfrentou no início do curso, como problemas com a memória e a concentração: “Venho recobrando de forma até rápida minha capacidade para o aprendizado. Alguns amigos médicos me disseram que muitas doenças degenerativas de neurônios podem ser evitadas com intensa atividade cerebral”.

Para ele, a relação que há na Universidade entre gerações tão diferentes pode ser complicada, mas não intimidadora. “Tenho um trânsito muito bom entre os mais jovens porque tenho afinidades com o que eles gostam, tipo rock, noite e curtição. Logicamente, sem descuidar das responsabilidades”, finaliza.

Perrengues

Estudante do curso de Fonoaudiologia, Shirley Sabino (foto) iniciou a primeira graduação aos 40 anos de idade. Após cursar Magistério e dar aulas para a educação infantil, Sabino afastou-se das atividades educacionais em 1998, casou-se, teve dois filhos e passou a trabalhar como secretária em uma construtora, mas nunca abandonou o sonho de fazer um curso superior.

Atualmente com 43 anos, a futura fonoaudióloga conta que a vontade de ingressar na Universidade se fortaleceu após ver anúncios de abertura das inscrições para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) na televisão: “Como eu tinha ido bem na redação e na pontuação do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], resolvi colocar meu nome lá para algum curso da área de saúde, pensando no infantil. Aí pesquisei sobre Fono, gostei muito e coloquei como primeira opção”.

Ao ingressar no curso, no segundo semestre de 2019, Sabino lembra de ter passado por “uns perrengues nas disciplinas” devido, principalmente, ao tempo afastada dos estudos, mas ressalta que os colegas e professores a ajudaram bastante. “A receptividade foi muito melhor do que eu esperava. Cada período tem sido de superação e muito aprendizado, afinal, não é fácil dar conta de faculdade, casa, filhos, marido, estrada. Mas vale à pena porque amo estudar na Ufes. Fiz amigas que vou levar para sempre comigo”, conclui ela, que mora em Santa Maria de Jetibá.

Alunos mais novos

Isabella Oliveira (foto) diz ter sido surpreendida por ter alcançado boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) logo na primeira tentativa: “Estou um pouco nervosa, mas os veteranos têm ajudado bastante”. Por gostar de escrever, no momento da definição do curso ela teve dúvidas entre Letras e Jornalismo, mas optou pela segunda alternativa após pesquisar sobre a profissão: “Combina mais comigo”.

Por outro lado, João Paulo Salamon (foto) se identifica mais com as áreas de exatas e tecnologia, o que o levou à escolha pela Engenharia da Computação, mesmo sem ter muita certeza da carreira que pretendia seguir. Ele avalia que ingressar em um curso superior “antes do tempo” pode fazê-lo enfrentar algumas dificuldades, mas acredita que a adaptação será tranquila por estar acostumado a estudar com colegas mais velhos.

Morador de Linhares, Salamon viverá sozinho na capital pela primeira vez, novidade que considera a mais desafiadora do processo. “Acaba sendo mais difícil ter que assumir a responsabilidade de morar sozinho e cursar faculdade, porém acho que estou preparado para a experiência. Tenho expectativas bem altas por tudo o que já ouvi, tanto da faculdade quanto do curso. Espero que o ensino seja tão bom quanto falam”, conclui.

 

Texto: Adriana Damasceno
Fotos: Supec e arquivo pessoal dos entrevistados
Edição: Thereza Marinho