Um grande público compareceu ao auditório do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN, campus de Goiabeiras) nesta quinta-feira, 25, para participar do evento em comemoração ao Dia Mundial da África, que abordou o tema A Multiplicidade cultural e linguística da África: desafios e perspectivas. Ao longo de todo o dia, conferências, mesas-redondas e apresentações culturais marcaram a data na qual, em 1963, ocorreu a fundação da Organização da Unidade Africana (atual União Africana), visando promover a unidade, a solidariedade e a cooperação entre os países africanos durante o processo de descolonização do continente.
Organizado pela Liga dos Universitários Africanos no Espírito Santo (Lua), com apoio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania (Proaeci), da Secretaria de Relações Internacionais (SRI), do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/Ufes) e do Fórum Estadual da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes), esta foi a terceira edição do Dia da África, que já aconteceu em 2017 e em 2019. O evento contou com a presença do reitor Paulo Vargas; do pró-reitor de Assuntos Estudantis e Cidadania, Gustavo Forde; de gestores da Ufes; membros da comunidade acadêmica; e convidados.
Na cerimônia de abertura, Paulo Vargas destacou que a África é um continente com ricas culturas, diversas tradições, idiomas e costumes: “É um celeiro de talentos, que tem dado ao mundo grandes escritores, músicos, artistas e líderes visionários”. De acordo com o reitor, a importância do Dia da África está na oportunidade de celebrar as conquistas africanas e reafirmar o compromisso da Ufes em apoiar o contínuo desenvolvimento do continente.
“A Universidade tem atuado nesse sentido, por meio de diversos convênios promovidos pela SRI para oferecer oportunidade de formação superior a cidadãos de países africanos com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais”, pontuou Vargas.
Narrativa histórica
Referência internacional em relações raciais, diversidade, cultura, educação e ações afirmativas, o professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Valter Silvério (na foto, ao microfone) foi o responsável pela conferência de abertura, na qual apresentou o projeto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) intitulado História Geral da África (HGA). Silvério foi o responsável pela transcrição dos oito primeiros volumes da coleção HGA para a língua portuguesa. “O projeto HGA trouxe à tona as vozes das pessoas marginalizadas e silenciadas, promovendo uma narrativa histórica ‘desnacionalizada’, apresentando conexões ocultas de espaço e tempo entre diferentes países e regiões do mundo”, explicou.
Durante o evento, Silvério falou, pela primeira vez, sobre os três novos volumes que compõem o projeto: História Geral da África Revisitada (volume 9); A África e suas Diásporas no Mundo (vol. 10); e África Global Hoje (vol. 11). Para o professor, não é possível entender a formação social brasileira sem conhecer a história africana. Assim, ele afirmou que o principal objetivo da coleção é desafiar a biblioteca colonial e reconstruir uma historiografia africana livre de marcas e estereótipos colonialistas: “A história da África não se limitou à escravidão, pobreza, fome e inquietação civil. O projeto HGA foi pioneiro em uma forma alternativa de escrever a história”.
Veja aqui a entrevista exclusiva que o pesquisador Valter Silvério concedeu à TV Ufes sobre contribuições da cultura africana e desafios a enfrentar.
Após um desfile (foto) de estudantes de países africanos trajando roupas típicas para apresentar ao público os tecidos que identificam a cultura do continente, o pró-reitor de Assistência Estudantil e Cidadania, Gustavo Forde, falou sobre A importância do Dia da África para o Brasil e apresentou ao público um conjunto de registros históricos que indicavam os grandes processos civilizatórios a partir da África, que constituíram o mundo ocidental. "Trago a África como berço da ciência ocidental para pensar o continente para além do berço da humanidade. Devemos pensar a África a partir do locus da nossa humanidade mas, sobretudo, o berço da ciência, da filosofia, da tecnologia”, explicou.
Ruptura
Por meio de um recorte temporal, Forde indicou quando ocorreu uma ruptura no processo de desenvolvimento do mundo africano, a partir da expansão do projeto colonial europeu: “O escravismo criminoso é a principal razão de o continente africano ser, hoje, um continente empobrecido do ponto de vista econômico e financeiro”.
Para o pró-reitor, o Dia Mundial da África representa um momento de celebrar, de revisitar memórias e histórias de personagens que foram fundamentais no processo de libertação de um conjunto de nações africanas. “Trazer o Dia da África para o Brasil é compreender os brasileiros como africanos em diáspora, compreender também o laço social, histórico e econômico desde África para o Brasil. O Dia da África é importante por que é um dia em que todos os países do mundo devem reverenciar e fazer uma importante reflexão que passa pela necessidade de reparação histórica, mas, sobretudo, reparação econômico-financeira aos 54 países africanos que sofreram sob o julgo do colonialismo europeu”, conluiu.
Durante a manhã, uma mesa-redonda com a participação de estudantes africanos e servidores debateram sobre o tema A África na Ufes. Segundo dados da SRI, atualmente 57 estudantes africanos estão matriculados na Universidade, dos quais 25 são da graduação, 26 da pós-graduação e seis participam do curso de Português para Estrangeiros. São alunos advindos de 14 países: Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Moçambique, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Quênia, República do Congo e Senegal.
Depoimentos
No período da tarde, as artes, as etnias, as línguas, as religiões, os sabores da culinária, personalidades políticas e históricas, paisagens e monumentos dos países africanos tomaram conta do auditório da Ufes. No painel Dia 25 da África, o continente, berço da humanidade, cada país esteve representado por um estudante que apresentou sua nação de origem, resgatando a história, costumes e tradições. Em comum, a diversidade de etnias, línguas maternas que são faladas além da língua oficial e o pouco tempo de conquista da independência.
Andreas Aiyambo Amutenya (foto), estudante de Arquitetura, falou sobre a Namíbia, que conquistou sua independência há 33 anos. Ex-colônia da Alemanha e, posteriormente, da Inglaterra, a Namíbia viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial quando, após o genocídio de 80 mil indígenas, os corpos foram levados para laboratórios da Alemanha para serem submetidos a estudos que pretendiam afirmar a absurda tese de inferioridade racial africana.
Alexandre da Silva, que faz mestrado em Engenharia Ambiental, apresentou a Guiné-Bissau; Anne Samuelle, estudante de Enfermagem, falou sobre o Gabão; Melchy Benitonda, estudante de Administração, apresentou a República do Congo; Cesario Lino, mestrando em Educação, expôs sobre Moçambique; Aboubakar Abdoulsalam, estudante de Arquitetura, trouxe informações sobre Camarões; Santos José, estudante de Direito, falou sobre a Guiné Equatorial; e Diane Assavedo, da Administração, apresentou Benin ao público presente.
A tarde também foi de troca de experiências culturais e acadêmicas de estudantes africanos na Ufes. Dificuldades em relação ao clima, a alimentação e a costumes brasileiros foram relatados por alguns estudantes, mas há unanimidade quanto à superação após alguns meses de convívio com os capixabas.
Um dos desafios apontados pelo estudante Santos José, do Direito, foi durante o período da pandemia. Ele havia chegado há pouco tempo e ainda iria passar pela prova de português para garantir sua vaga na Ufes. “Foi um momento muito complicado. Muitos amigos meus voltaram para seus países, desistiram da prova”, afirmou ele. E acrescentou “Eu espero, até eu me formar, conseguir construir uma história aqui. Porque não é só para a gente, é para gerações que vão vir no futuro. Espero construir uma história junto com meus colegas aqui”, afirmou, referindo-se aos estudantes da Liga de Universitários Africanos.
Texto e fotos: Adriana Damasceno e Sueli de Freitas
Edição: Thereza Marinho