Conselhos Superiores da Ufes aprovam carta contra a proposta de Reforma Administrativa

03/12/2020 - 20:40  •  Atualizado 01/11/2022 09:26
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Em sessão conjunta realizada na tarde desta quinta-feira, 3, os Conselhos Superiores da Ufes aprovaram uma Carta Aberta em Defesa da Universidade, contra a Reforma Administrativa em tramitação no Congresso Nacional. O documento (veja abaixo o texto na íntegra, também disponível em arquivo anexado) afirma que a Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, que trata da reforma, se aprovada, vai prejudicar “a quantidade e a qualidade dos serviços públicos prestados à população brasileira” tanto em níveis federal, estadual e municipal.

No entendimento dos conselhos, a PEC 32 compromete “a natureza constitucional do Estado brasileiro, desfigurando o seu caráter social em favor de um Estado ultraliberal, ao transformar serviços públicos em potenciais ‘nichos’ de mercado, em particular, aqueles que promovem o desenvolvimento do conhecimento e, hoje, buscam garantir a educação como direito social público, gratuito e de qualidade”.

A Reforma Administrativa, frisa o texto, coloca em risco as carreiras do serviço público, o regime jurídico único e as condições de trabalho, “promovendo a precarização e o aumento da exploração do trabalho, como, por exemplo, a extinção dos concursos públicos, o fim da estabilidade no emprego e a concentração de amplos poderes nas mãos do Executivo para alterar toda a estrutura de cargos públicos do Estado”.

Na carta os conselhos também manifestam “discordância com a expansão da educação superior a distância nas universidades federais, conforme sinalizam as Portarias nº 433 e nº 434/2020 do Ministério da Educação.

Por fim, os conselhos afirmam que “é preciso que tenhamos um Estado que valorize seus servidores e possa oferecer serviços de qualidade para que consigamos retomar o processo de desenvolvimento, atuando na distribuição da riqueza e na promoção dos direitos humanos, sem sacrificar princípios democráticos, republicanos e do Estado de direito. Sendo assim, apresentamos nossa defesa do serviço público de qualidade, dos servidores, da educação pública e conclamamos deputados e senadores a agirem com a máxima responsabilidade e espírito público, visando superar as profundas desigualdades que nos constituem enquanto nação”.

Mesa-redonda

A aprovação da carta aconteceu após a mesa-redonda Impactos da Reforma Administrativa nas Instituições de Ensino Superior. O evento foi aberto pelo reitor Paulo Vargas, que destacou: “O Governo atual busca tentativas políticas concretas de desqualificar e fragilizar o funcionalismo público, no nosso caso o serviço público federal, mesmo que isto represente o rebaixamento da qualidade dos serviços prestados à população. Dados do próprio Ministério da Economia apontam que, para cada 100 servidores que se aposentam ou deixam o posto, apenas 26 vagas estão sendo repostas, sinalizando para o desmonte real da atividade pública. Devemos atuar no sentido de apresentar e afirmar a posição democrática das universidades federais sobre uma questão de tamanha importância para as instituições de ensino e para o Brasil”.

Um dos convidados para a mesa, o professor e advogado integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e assessor jurídico do Senado Federal, Marcos Rogério de Souza, afirmou que a reforma administrativa faz parte de uma agenda maior de desmonte do Estado garantidor de direitos sociais. “O objetivo central dessas reformas, a partir de uma mudança profunda que está ocorrendo na infraestrutura econômica no Brasil e no mundo, é apresentar uma resposta que não cabe num projeto de país que nós construímos na Constituição de 1988. Há uma divergência entre o capitalismo na sua forma de desenvolvimento atual e a maneira como o Brasil optou por regulá-lo na Constituição. Então, o objeto central é o desmonte deste Estado que tem como característica assegurar direitos sociais. Ao fim e ao cabo, o que está sendo discutido é a alteração do modelo de Estado, para que este siga sendo exclusivamente garantidor das ações estratégicas para o desenvolvimento do Capital”, afirmou.

O professor destacou também que a reforma administrativa traz o princípio da subsidiariedade do Estado, segundo o qual o serviço público só deve atuar onde a iniciativa privada não estiver. Marcos Rogério também criticou a concentração de poder na figura do presidente da República que, a partir da reforma, poderia extinguir e reorganizar cargos e órgãos, entre outras atribuições.

O coordenador-geral da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), Antônio Alves Neto, lembrou que a Reforma Administrativa não é o primeiro “ataque” sofrido pela universidade, citando projetos anteriores do Governo Federal. Na sua avaliação, “não há nada que se salve nessa reforma porque o que está em jogo é o fim do Estado brasileiro”. Ele ressaltou: “nosso papel é pressionar os parlamentares para que a PEC seja retirada de pauta”.

O diretor do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Amauri Fragoso, chamou a atenção para as fases da discussão da Reforma Administrativa. Se aprovada nesse primeiro momento essa PEC, as segunda e terceira fases atingirão com várias questões ligadas às estruturas de carreira. Na fase dois estão previstos projetos de lei sobre gestão de desempenho, consolidação de cargos, funções e gratificações, diretrizes de carreiras, modernização de formas de trabalho e ajustes no Estatuto dos Servidores Públicos. Na fase três, o governo pretende instituir um projeto de lei complementar do chamado "novo serviço público", com a criação de um novo marco regulatório das carreiras, governança remuneratória e direitos e deveres.

A estudante de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e primeira vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Regina Brunet, frisou a ausência de diálogo com a sociedade sobre o significado dessa reforma e, consequente, falta de informações para quem utiliza os serviços públicos. “Não é uma reforma que visa reparar injustiças que por ventura existam como super salários de juízes, promotores ou até mesmo membros do Legislativo, mas visa retirar direitos de servidores da faixa mediana, que correspondem à maior parte da folha de pagamento, que jamais poderia ser apresentada pelo Ministério da Economia porque afeta diversas áreas do serviço público brasileiro”.


Veja o texto da Carta na íntegra:

CARTA ABERTA EM DEFESA DA UNIVERSIDADE


Os Conselhos Superiores da Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes, reunidos em sessão aberta conjunta, manifestam seu posicionamento a respeito da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 32/2020, que trata da Reforma Administrativa, em tramitação no Congresso Nacional. Se aprovada, ela impactará quase todas as instâncias dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em nível municipal, estadual e federal, prejudicando a quantidade e a qualidade dos serviços públicos prestados à população brasileira.

A PEC 32/2020 compromete até mesmo a natureza constitucional do Estado brasileiro, desfigurando o seu caráter social em favor de um Estado ultraliberal, ao transformar serviços públicos em potenciais “nichos” de mercado, em particular aqueles que promovem o desenvolvimento do conhecimento e hoje buscam garantir a educação como direito social público, gratuito e de qualidade.

A Reforma Administrativa coloca em risco as carreiras do serviço público (exceto as dos parlamentares, dos militares e magistrados), o regime jurídico único e as condições de trabalho, promovendo a precarização e o aumento da exploração do trabalho, como, por exemplo, com a extinção dos concursos públicos, o fim da estabilidade no emprego e a concentração de amplos poderes nas mãos do Poder Executivo para alterar toda a estrutura de cargos públicos do Estado. Entendemos que áreas de importância social como a educação, a saúde e a previdência, entre muitas outras, devem ser consideradas estratégicas para o desenvolvimento humano, a superação das desigualdades e o fortalecimento da cidadania, devendo ser mantidas majoritariamente sob gestão pública direta do Estado brasileiro.

O alegado objetivo de cortar gastos corresponde a uma inversão da relação do Estado com os cidadãos e do conceito de investimento público em serviços para o bem-estar de todos. A afirmação de que a Reforma Administrativa trará mais eficiência e qualidade não encontra amparo na realidade atual. As universidades públicas, com inúmeros resultados positivos e seu papel fundamental na inclusão social e na geração de conhecimento, ainda que à espera da reconstituição de seus orçamentos, dão mostras do valor do serviço público na vida das pessoas.

Também manifestamos preocupação e discordância em relação à  expansão da educação superior a distância nas universidades federais, conforme sinalizam as Portarias nº 433 e nº 434/2020 do Ministério da Educação, que tratam, respectivamente, da instituição do Comitê de Orientação Estratégica e do Grupo de Trabalho, ambos com a finalidade de ampliar a oferta dos cursos de nível superior na modalidade de educação a distância.

O momento que atravessamos hoje é de gravidade e exige que o Estado brasileiro seja fortalecido e cada vez mais qualificado para atuar na promoção do bem-estar social e na superação da violência, da desigualdade e do desamparo social. É preciso que tenhamos um Estado que valorize seus servidores e possa oferecer serviços de qualidade para a retomada do processo de desenvolvimento, atuando na distribuição da riqueza e na promoção dos direitos humanos, sem sacrificar princípios democráticos, republicanos e do Estado de direito.

Assim, apresentamos nossa defesa do serviço público de qualidade, dos servidores e da educação pública, e conclamamos deputados e senadores a agir com a máxima responsabilidade e espírito público, visando superar as profundas desigualdades que nos constituem como nação.

Sala das Sessões, 3 de dezembro de 2020.

PAULO SERGIO DE PAULA VARGAS
PRESIDENTE

 

 

Texto: Sueli de Freitas
Edição: Thereza Marinho