Professora propõe reflexão sobre o Dia da Consciência Negra

19/11/2015 - 17:12  •  Atualizado 20/11/2015 17:10
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Como parte das atividades alusivas à consciência negra, a professora do Departamento de Educação, Políticas e Sociedade e pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Ufes (Neab), Patrícia Rufino, propõe uma reflexão: 

Nossos muitos zumbis

Mais um 20 de novembro e ainda não temos muito a comemorar, mas seguimos com alguns avanços. A data marca uma luta histórica da população negra neste país, que tem em Zumbi dos Palmares um de seus referenciais de resistência! O rastro desta mesma história tem nos mostrado que necessitamos de muito mais que nos referirmos aos nossos heróis em um chamamento nacional, pois o enfrentamento ao “racismo” é algo que necessita ser amplamente discutido em todas as instâncias sociais, inclusive na formação de professores. Nossa sociedade ainda reclama de ações que acontecem em seu cotidiano, em que população negra possa sair do descaso e empoderar-se. Mas como agir diante da crescente onda de ódio e violência racial?

São muitos os pontos que poderíamos levantar em relação a esta questão, que não nos parece a mais simples, que se apresenta da angústia de ser desclassificado diante de um grupo em formação, as humilhações daqueles que ocupam funções “subalternas”, a própria invisibilidade desse sujeito; ou ainda quando nos referimos às relações tensas de trabalho que falam de outro lugar - o racismo Institucional. Estamos falando de algo que se reinventa - sim, o racismo se reinventa! E muitas vezes as capas que o encobrem estão na simples justificativa de que “ah eu não queria dizer isso” ou “esse é o lugar dele”... Ou ainda “prefiro ser atendido por um médico branco a ser atendido por um médico negro”. Aqui não se colocou em cheque somente a formação do sujeito, mas a questão racial, que compete em linha de igualdade no imaginário racial desta elite. É preciso entender que, nos âmbitos das instituições, falar ou enfrentar o racismo institucional está diretamente ligado ao enfrentamento do poder. De uma elite branca que sempre esteve neste poder e nunca admitiu ser rechaçada em seus questionamentos raciais, nem tampouco trará para as suas futuras gerações que racismo acima de tudo é o enfrentamento a um ódio exacerbado, inconsequente, que fere, mata e destrói quem dele se alimenta.

E quem é negro nesse país? Essa é a tradicional pergunta, mas se nos perguntarmos quem é o “suspeito padrão” a todos é dada a resposta: Basta olhar os índices de mortalidade juvenil, a grosso modo olhar as cadeias -  jovem, negro entre 15 e 29 anos de idade e morador das periferias. Ninguém fala das muitas mães das periferias, das muitas famílias que perdem todos os dias seus filhos e filhas para o crime. Esse é o perfil de quem se assusta pelas cidades, e vê ser produzida constantemente a questão avassaladora de homicídio da juventude negra. As nossas periferias continuam sendo locais de produção da exclusão, em que não somente o poder público, mas nós, enquanto sociedade, produzimos e fortalecemos o estereótipo racial do “bandido”, da  falta de formação e consequentemente do imaginário racista de produção da marginalidade que se reveste sobre nossas cabeças.

Alguns que conseguem sobreviver a este massacre chegam à universidade. Tem-se aí um outro desafio. Não chegam mais invisíveis, são presença constante nos debates e nos embates, em busca da denúncia e de ações que pautem e qualifiquem ainda mais sua formação. Somos desafiados constantemente em nossas salas de aulas e devemos ter esse olhar. A sensibilidade de entender que se não tratarmos com seriedade, a questão racial será sempre alvo de constantes repressões tanto dos que não se veem naquele lugar de empoderamento, porque este enfrentamento conscientiza e cria políticas efetivas, quanto por outro lado, daqueles que se acovardam atrás do simples pedido de “desculpas” após o estrago feito.

Durante este ano muitos foram os casos racistas noticiados pela mídia. O recente “caso Malaguti”, constituído, devidamente fundamentado, conhecido por toda a sociedade recentemente, não foi um processo aleatório, foi um caso público, denunciado não apenas por um estudante ou por um simples processo, mas com toda argumentação em que não se contesta a seriedade do trato da questão pela Ufes.

Mas a luta é contra o poder, contra uma elite que se vê neste lugar! É a difícil batalha contra a hegemonia racial que há anos é denunciada nesse país pelos movimentos negros. É notório e existe uma comoção geral de ações em que somos constantemente chamados a opinar para o enfrentamento do racismo institucional. Este por sua vez, expresso claramente, na fala do professor Malaguti, coloca por muitas vezes em cheque a política de inclusão da universidade, o trato da questão racial internamente, a necessidade da formação em Direitos Humanos e a construção de um plano de ações necessário de enfrentamentos à questão.

Na tentativa de construir possibilidades, a Ufes conta com o Observatório de Políticas de Ações Afirmativas, que tem como proposição avaliar e construir um projeto de colaboração institucional para o encaminhamento de casos e ações de enfrentamento ao racismo. O Observatório está integrado ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab-Ufes) que tem contribuído e insistido em formações com os movimentos sociais, pesquisas institucionais com religiões de matriz africana, palestras extensivas a toda comunidade, minicursos e ações com os coletivos que são alvos constantes dessa mesma postura racista. Racismo este que existe entre os próprios alun@s, pois o racismo se reinventa produz ódio e incita à violência física, por outro lado, nossas ações são movimentos que falam de outro lugar, que produzem uma “Cultura de Paz”.

Por isso precisamos pensar nos nossos Zumbis, guerreiros do dia-a-dia que resistem bravamente em busca de soluções, aqueles que enfrentam arduamente o racismo em seus cotidianos, que conhecem a dura realidade das periferias e vem para a Ufes em busca de uma formação séria, da construção de uma carreira profissional, aprendem aqui, nessa instituição a erguer-se, a olhar o outro, a construir uma relação de igualdade, mesmo que a perversa desigualdade racial persista ainda neste imaginário!! A eles a nossa reverência, aos muitos guerreiros e guerreiras que ao entrarem aqui, levam para suas famílias a fé e a construção de uma universidade cada vez mais inclusiva, que levam para suas mães a esperança de um mundo melhor, longe dos muros e das amarras raciais!

Profa. Dra. Patrícia Rufino